NÃO É PRA VOCÊ


  Você jamais voltou, mesmo depois das dezenas  de poemas que nao lhe dediquei, não lhe mandei, mas você imagina que lhe escrevi. Escrevi, sim, todos! Lambi páginas e páginas com nossas memórias póstumas. Sempre boas. Escrevi todas as nossas alegrias inventadas, e nossos planos lunáticos. Andei num elefante na Índia lindas vezes. Visitei tua boca de madrugada e acordei chorando. Sei que algumas letras de canções parecem feitas para nós e anoto, pra te mostrar. Mas não vou mostrar. Algumas vontades já me chegam quebradas. Quero ir àquela praça, mas você não vai estar. Eu vou segurar uma flor na mão, com uma inscrição no antebraço – amor, in memorian.
  Imagino que você em algum momento parou numa praça e me procurou. Eu nunca estaria lá, aliás nós morremos alguns meses atrás, estaria lá essa outra que veio depois. E você me procurando como alguém que chora não ia notar que eu estaria pulando dentro de algum chafariz, dolce vita, sim, com jarras e jarras de alguma bebida barata fermentando ideais revolucionários na minha cabeça pacífica, meio oca. (Durmo sempre cheia de ideias que escorrem na fronha quando sonho). Cheguei a algumas conclusões sobre nós mas eu as afoguei na pia. Sinto muito pelos familiares delas, aqueles pensamentos que permanecem depois de conclusões descartadas. Eu sou obssessiva, pensarei nelas muitas vezes antes de esquece-las. Assim como em você.
Tentando escrever qualquer coisa que significasse uma manhã nossa, uma mordida, uma discussão – improfícua, sim, esta palavra que você ria quando eu dizia –, cometi alguns equívocos. Assassinei alguns versos surrupiando sua poesia apenas porque eu, bruta, queria usar palavras. Vou lhe escrever uma carta quando tudo começar a dar certo. Tenho um bom emprego, compro um bom jornal todos os dias. Cerveja temos sempre que possivel. Às vezes com alguns amigos. Você, no entanto sempre terá tudo que eu não tenho – uma vitrola, um lp do Bob Dylan com a segunda faixa estragada – sempre algum de nós teria que levantar para reposicionar a agulha. E aquela varanda de Mississipi.
Não sei se eu devia pedir desculpas ou você ou aquela música no fim é que devia. Mas sempre me desculpo, sempre perdoo e sempre choro. Eu choro por gosto. Na chuva, então, no banho. E busco umas palavras bonitas para cada fim de caso. E fim de papo. Você e eu inventados, tão lindo, tão torto como um poema do Carpinejar. Um idealista Gullar. E com um final estonteante, original, de tirar o fôlego. Mas, não fomos assim. Fomos promissores, com um fim tépido. Eu é que escrevo palavras bonitas. Talvez um dia escreva um poema ou uma crônica. Isso, é apenas um fim.
Anos e planos depois, nosso tempo talvez se encontrasse no mesmo ponto. Mas a realidade é urgente. A poesia, nossa, toda está na ponta dos meus dedos, mas eu coço a cabeça.
O resto dos versos, eu espero. Eles podem vir, com alguns meses de atraso. Escritos de batom no espelho. Ou no letreiro do metrô. Dentro do biscoito da sorte, chinês.
E talvez não sejam pra você.

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