Conspirações


A arte de suicidar-se todas as manhãs

Ela deseja pôr as mãos nos botões da camisa do artista, o pintor do 205. Seu marido escova os dentes no banheiro ao lado. De porta aberta. Ela finge que dorme. Ainda meia hora a separa do despertador. Seu despertador desolado gritará 5 vezes antes que levante. Ela vestirá meias finas. Sapato de bico fino. Rolará nos dedos a caneta fina que usa para deferir propostas de financiamentos que concede a microempresários do ramo de auto peças. Automóveis.  Autômatos. Antes de levantar ela passa a língua nos lábios. Derruba perfume na pia. Prevê o dia. Flerta pela porta e anestesia-se do artista. Que perfuma o 205.
Veste a droga do bico fino. Talvez fosse preciso suicidar-se usando o bico fino da caneta, alojando-o em algum ponto em que se pudesse encontrar o coração.

A arte de nascer de madrugada

Parece-me que toda cidade dorme. Uma ou outra luz acesa esquecida confidencia meus irmãos. É calor e há estrelas.
Há estrelas. Aperto o coração no cinzeiro. A chama cresce e se apaga. Assim. Como as paixões.
Acho que vou sorrir.

Comentários

  1. O traço (não o bico) fino de um sonho ou qualquer outro instrumento mágico desaloja-se do seu coração e, cheio de transfiguradas palavras, aloja-se no meu, onde todo suicídio morre.

    Ouço as estrelas. Aperto o coração da poesia. A chama cresce e fica enorme, é infindável. Não acho e sorrio.

    Dani, você tem o dom que, de tão real, desarticula a ditadura da realidade: A arte rara de inventar a vida com palavras.

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