coca cola


     Não, eu não abomino a coca-cola.
     Era sempre um domingo desses – igualzinho. O céu estourando azul com umas nuvenzinhas brancas que só domingos podem ter impunemente. Eu ainda sinto cheiro de domingo quando vejo as janelas das casas abertas, o brilho do sol batendo nos carros lavados movimentando-se leves, as crianças recolhendo suas bicicletas para a hora do almoço.
     Quando era eu uma criança de bicicleta, eu subia pra casa afoita. A mãe de avental fritava batatas. O pai limpava metodicamente seus lps. Eu e meus irmãos assistíamos algum desenho enquanto a fome descia pelo nariz ao ronco na barriga. Único dia da semana em que a familia almoçava junta. Minha mãe até era menos econômica e meu pai até imitava um instrumento qualquer de sopro. A gente era feliz, mas aí que a gente percebia.
     E sempre era um êxtase quando a mãe separava, da porta da cozinha, umas moedinhas, e gritava pro mais velho:
     - Vai buscar coca-cola!
   A gente saía os três - o mais velho e o mais novo de mão dada, e eu. Antes de o Brasil ser bric, e comparecer aos cadernos de economia de jornais estrangeiros, que só nos chamavam pela camisa da seleção canarinho.
    Ah sim, outra alegria nossa era a seleção canarinho.
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     Bem, hoje a coca-cola é quase item de cesta básica. A seleção... o que foi feito dela?
   Tenho lido sobre os efeitos nocivos dos refrigerantes de cola. Também me previno conforme as prescrições das revistas femininas – corto açúcares e pequenas alegrias da dieta. Quando eu era criança chocolate era coisa de Páscoa, quando a mãe escondia ovinhos doces pela casa para a alegria durar mais. Hoje guloseimas são tão acessíveis que o brasileiro se tornou um povo potencialmente obeso.
     Tenho saudade de certos domingos. Daquela algazarra em volta da mesa. De engolirmos as primeiras doses do refrigerante nos entreolhando de olhos molhados.
     A alegria hoje anda complexa.... o futebol decepciona, meus irmãos estão cuidando de seus próprios filhos e eu ando de olhos molhados. Talvez seja saudade da inocência.. desconhecer osteoporose e indústria cultural. Beber coca-cola como um artigo sagrado e raro.
     Raro feito a alegria nesses domingos.

     

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