MEIO-DIA

     Houve um tempo em que havia borboletas. Minha mãe explicava o universo no caminho quente do sol do meio-dia, indo para a escola. A cidade, ainda não em guerra civil. A rua ainda era pura. O céu pintava-se de pipas.
        À noite a tv gritava cores enquanto apressávamos os cadernos escolares. Se houvesse silêncio em  nossos debates ouviríamos grilos. Era sempre calor.
     A mãe fritava batatas. O pai ouvia o noticiário. Naquela época ele ainda nao comentava sozinho arremedando o âncora, e os escândalos escandalizavam.
       Nós exigíamos atenção como podíamos. Dificuldades na tarefa de casa. Uma dor de barriga. Uma lição muito importante de história – pai o senhor sabia que...?
       O dia acabando uma tentativa bem sucedida de rir mais uma vez. Antes de dormir tínhamos três ataques de riso. Antes da voz fardada do pai chegar na porta estabelecendo o súbito sono.
       Naquele tempo eu me escondia lendo em voz alta as revistas antigas da mãe. Notícias vencidas eram dadas no meu noticiário fictício com a pompa de um acontecido importante. Tardes em que a criançada voava de bicicleta eu carregava meus apetrechos – a prancha, os lápis, o coração – e no andar térreo montava minha redação. Escrevi poemas, escrevi invenções, escrevi minha dor porque nunca soube só sentir.
      Nunca houve redenção. Só as paginas em branco foram minhas virgens defloradas. De cada uma tentei gozar um poema. Depois virava para o lado – para não amar duas vezes o mesmo verso.
      Tantos anos depois eu só sei sentir escrevendo.
     Quando choro faz sempre silêncio. Então eu grito. Do silêncio troveja um exército. Três crianças de mãos dadas indo buscar refrigerante no domingo. Três crianças fingindo olhar pela janela quando os adultos brigavam. Três crianças com seus barquinhos e avioezinhos de papel que poderiam ir a qualquer lugar. Três crianças e uns lápis de cores. Eu sempre fui de papel.
     As vozes voltam cantarolando, me contando histórias de décadas como os livros de História. Ensinando lições e inquirindo as respostas – professora, resposta completa? Sim, resposta completa.
      Hoje sei de tudo e ainda me engano. Nas minhas alegrias os grilos se escondem em noites de verão em que ainda penso que vou ouvir a buzina do vendedor de quebra-queixo.  Ou a buzina do pai anunciando que trouxe caramelos.
     Doces que grudam nos dentes, prendem os maxilares, causam dor – doces como os amores.
      Agora estou para chorar só porque faz sol e o calor de meio dia. Onde minha mãe me ensinando de que lado fica o poente?

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