Memória da Luz
Memória da Luz
Escrevo, a luz é uma lembrança.
*
Antônio. Retinose pigmentar. A morte das células – a morte das
cores. Viu até os 13 anos. Menos depois. E menos. Escureceu aos 25. Aprendeu a
tear. Aprendeu tapetes. Aprendeu cores pela mão. Corrige os alunos que ensina,
a ver o amarelo o vermelho o azul pelo traço do fio. Mostra o caminho com os
dedos. Lembra da cor azul. Era a cor dum vestido. O vestido rodopiava no pátio
cheio de fitas bandeirinhas tendas. Tudo era cor num raio de anos-luz.
Luz. Sobrou o azul. O vestido que
se afundou uma vez no seu corpo. Vagamente, o azul pálido escondido atrás de um
dia caiado.
*
Espectro solar. Arco-íris. Ciano. Luz. Diferentes comprimentos de
onda atingem a retina = cor.
Se uma substância reflete todos os comprimentos de onda, ela é branca.
Se os absorve, é negra.
Se absorve todos os comprimentos de onda menos os de uma cor, então
essa é sua cor.
Ou seja. O que resta do azul é o
azul.
(aquela lembrança, filho).
*
Cupins. Chamam-se aleluias.
Milhões no começo da primavera, ao redor de luzes acesas debatendo-se perdendo
asas que se espalham no assoalho. Comem papéis. Celulose, letras,
literatura, alimento.
Na espécie, apenas os
reprodutores gostam da luz. Os outros vivem embaixo da terra, em túneis. Os reprodutores
perdem suas asas batendo em euforia contra lâmpadas, abajures, nossos rostos,
irritados, todos em busca de um par. Até que se amem.
Aleluia.
*
Estrelas. Nebulosas gases poeira. Sua luz é sua energia, seu calor
sua cor.
Você olha para uma estrela,
filho, mas ela não está mais lá. O que você vê é o passado dela.
A luz que ela gerou há 4 anos, 5
anos. Você ainda nem nasceu. É só a memória da luz.
*
O vestido azul rodopia anos, luz
além da sala, atravessa o pensamento, além da retina, o que fica é a memória do
azul e basta. Como se uma corda infinita. Reza de joelhos a mãe que pede pelo
filho doentinho – nunca pára. A luz está na vela. Está na reza. Está na
estrela, ou estava. É. A porta se abre incontáveis vezes enquanto o pai entra
escondendo doces nas mãos, ainda.
É só memória.
Cupins – aleluia! – vibram eufóricos em busca de amor.
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