sorriso

Há algum tempo esqueci de sorrir. Foi assim gradativo como parar um remédio. 
Parei de sorrir para vendedor de balões de gás coloridos. 
Aqueles com personagens de desenho animado. 
Parei de sorrir para nenéns nos carrinhos. Os que não dormiam.
Parei de sorrir quando via a fotografia colada com durex na parede – alguém que se foi descolando de meus muros.
Parei de sorrir para você.
Outro dia vieram com uma piada fácil. Ergui o canto direito da boca, depois o canto esquerdo. Mas os dois juntos... difícil de coordenar. Desisti – ficou feio.
Me disseram que rir é o efeito do organismo quando recebe uma informação que não entende, que não sabe processar. Na falta de arrepio, espirro, tosse, coceira, a gente ri.
Talvez eu passei a entender tudo, muito. E ponto. Nada mais a declarar.
Cócegas, sim, cócegas talvez – método de tortura em que eu poderia, enfim, voltar a respirar. Exercitar os músculos, sentir os nervos, fazer barulho.
Mas sorrir... pura invasão de céu azul ou guarda-chuva vermelho quando há casaco e galocha – sorrir por efeito do minuto, só. Esse desaprendi.
Chorar... também quase nem choro, mas às vezes engasgo. Terremoto de mim sacudindo o quarto, as paredes da sala, ecoando sacada afora feito um bicho com espinho na pata.
Então choro com o filme francês.
Choro com piada fraca.
Com bebida forte.

Choro pra você, porque é puro. E me dá todos os engasgos do mundo.

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