Crônica sonora (conversa ouvida sorrateiramente numa noite fria)

Eu vim embora, era fim de outubro. Quem se muda com criança em 29 de outubro? Tirei elas da escola. Ele não podia ter feito aquilo. Eu com criança pequena. Sozinha no rio de janeiro.

(som de zíper, malas. imprecações. criança chorando colo. silêncio).

Então, eu ia jogar no vasco – veja só, eu fui treinar vôlei e me selecionaram, eu treinei na quadra do vasco. Veja só.
Aí conheci ele. Sozinha no rio de janeiro.

(sons fortes, de coração batendo. sutis, de corpos roçando. barulhos).

Aqui?, aqui estou já há 20 anos. Eu ando mais serena, acho que até boazinha. Mas se encontro aquele sujeito – eu conheço, tenho o rosto dele aqui gravado. Ele não podia fazer aquilo. Eu, lhe enfiava a mão, de novo.

(coisas espatifadas. fantasmas).

Aqui todos me conhecem, os vizinhos de cima os vizinhos debaixo. O nenê é engraçado – chupa a chupeta e cospe, assim que percebe que não vem nada. A nora é boazinha. Eu ajudo, menos nos dias de folga deles. (O dia de folga é nas segundas-feiras). Os outros dias eu vejo o nenê (só choro e leite). 

Quando estou aqui estou feliz.

(em flashback: trânsito, buzinas, sons fortes de coração batendo, fins de outubro).

- O olho assim comprido como quem se esquece.

(ouvem-se risos. copos. talheres. coisas entornadas.


um trovão).

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