memória


            aquele isqueiro. coisa que acende, este instrumento alado em minha memória.
            aquele dia que tentei me explicar. não sem antes te odiar – quase todo dentes, lanças, garras. no dia seguinte fui buscar flores, porque te amo sempre depois. e te roguei pragas e te roguei que voltasse, tudo com o mesmo calor. fui te buscar pela manhã. os seguintes dias, sempre, os por quês, as saudades, ausência do peso do teu corpo. no ouvido você gritando pela casa teu cheiro tuas coisas todas a porta batendo. eu colhi flores, bati na porta arrependido – eu, que não sou santo não sou crente e não quero nem saber – eu quis. vi teus olhos e entendi que não podia voltar – estendi as flores. lixo. três quatro raminhos. estavam tão coloridas. mais que teus olhos.
           eu pulando muros. há muito tempo eu gostava de episódios tristes – então escrevia coisas. cartões. mensagens. escrevia histórias dos outros. tudo ficou tão triste depois daquela avenida. ou seria da tua vinda? eu queria atravessar uma parede, depois dela estava você – com seu gelo, com suas razões, com seu olhar vago. eu sentava e escrevia de amores, vagos. o seu gelo, meu gole, versos e rimas ou fotografias – eu quis explodir em cores como numa tela surrealista – e tudo se acabando. eu pulando os dias.
            em minha memória tem teus sorrisos. dia após dia. às vezes destranco a porta – espero. deixo tudo no lugar, enquanto eu estou perdido. a mesa tem este peso – tua lancinante gargalhada tua ironia tudo tuas pernas tua mordida – falta o que é teu no espaço, nem respiro. penso porque lembrar é como se existisse. olho a porta fechada, a chave dependurada (esses instrumentos alados). lembro porque aos poucos me faz dormir.
            e no momento em que eu não penso em mais nada, sonho com girassóis coloridos. estendo a mão para cobrir-te, meu cansaço e o lugar do seu umbigo. então você acha macias as flores. e você caminha comigo.

            e você está sorrindo.

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