memórias
Alguns
instantes em que há paz. Não felicidade ou nostalgia, tampouco esperança. São segundos.
É como um cheiro familiar que passa, e logo se esconde, breve. Você não sabe de
que se recorda, não volta a senti-lo, são apenas instantes.
Tenho tentado ficar distraído, e carrego alguns balões de gás para elevar-me do
chão. Meus ressentimentos andaram me distraindo de que o céu está azul, e que
assim é bonito. Ou está cinza e também está bonito porque é céu, e está tão
grande acima de mim.
Paisagens novas
se inventam tolas ao meu redor tentando chamar minha atenção. O motorista me
sorri sem me entender porque na verdade quero fazer uma confissão.
Fico algum
tempo escutando notícias para ver se são minhas. Espero cartas enquanto o tempo
vai tecendo teias nas bordas do parapeito. Sei que os dias passaram porque já não
tenho meias. Meias verdades já não me limitam tanto.
Limito minhas
leituras às estritamente necessárias para não tecer descobertas. Deixo abertas
algumas veias. Às vezes penso que não poderia morrer porque estou atento, mas
sou desnecessário. Aquelas montanhas pesam no horizonte como meu coração
incendiado.
Não sonho
acordado. Me olho no espelho esperando a luz certa para não chorar – não me
reconheço, e nem posso ser poeta porque sou real demais.
Então me entretenho com
leituras no terraço em que hoje tive coragem de saltar. Estremeço com reticências como se escondessem um segredo. E se eu pudesse amar?
Foi um
desses instantes, vendo a pele do dia se gastar, sem tarefas sãs nem insanas. Meramente
horários quando parecia que o dia não acabaria. O tempo estava parado, os homens construíam um edifício ao lado e eu era invisível. Os amigos andavam longe, e eu quase um fantasma sem
nenhuma grande esperança. Eu contemplava
minhas ruinas, vi meus dedos antigos, meus medos antigos, e debrucei sob o sol
uma coragem de me queimar.
Nesse dia,
o céu estava azul, eu de pijamas. Eu chorei e sorri, me abracei a mim mesmo como se fossemos amigos.
E por uns instantes, eu vivi.
Porque insistimos na escrita? Que ilusão nos move? Tocar o real? Representar o irrepresentável? Expressar o imaginário "eu"? Alheio ao lúdico, ao onírico, ao erótico das palavras, vibra intocável o real. A língua, fictícia ponte que nos liga ao outro, cria mundos, sobretudo o do afeto. A palavra, como um pássaro que nos puxa, desenha infinitas imagens, movimenta e inventa a vida. Poesia é a arte da feitiçaria com as palavras, um transe, um hipnótico encantamento. Manipular as palavras, esse ritual mágico, pode tornar nossa existência literária, poética, quer dizer, uma obra de arte.
ResponderExcluirDani, que você consiga sempre, desentranhando as mais significativas palavras, trazer à tona a potencial vitalidade da própria vida. Que você consiga ser artista de si mesma.