“Não é necessário um barco para exilar-se”

                Você saberia o nome das flores e das frutas. Aqui há essas flores cor-de-rosa e apenas hoje o céu tem esses leves, muito leves, traços de nuvens, no constante azul firme, solene, azul quase turquesa.
                Acontece às vezes de eu ver um pequeno edifício e imaginar nossa vida dentro. Eu tranquilamente moraria dentro daquele terceiro andar também azul, porque nele há estas minúsculas sacadas, onde você ficaria fazendo fumaças e canções. Imagino coisas antigas dentro dele, uma antiga moça que chorava sozinha, alguém como você, umas flores que morreram por descuido. Ou um peixe.
                Você se sentaria ali fora com pensamentos mágicos e sabedorias e eu te atiraria pratos. Você tocaria violão enquanto eu imaginaria seus dedos passeando nos fios brancos do meu cabelo, minha quase poética velhice precoce, minha juventude temporã – qualquer coisa de desadequada, eu que digo as palavras erradas e choro quando você faz a barba.
                Olho para as pessoas aqui, que levam carrinhos de bebê e sacolas como em qualquer parte do mundo, como se vivêssemos em paz. Se fizéssemos um filho, com quem se pareceria? Com meus olhos grandes meus dedos mínimos e esta melancolia hereditária? Com esta borboleta que há em teus olhos por trás dos vidros? (Teus segredos?).
                (Um filho.... um filho que tivesse nossos olhos e visse as flores, as borboletas, cor de rosa....)
                Tocam os sinos da catedral, também cor-de-rosa. Me lembro das horas e uma multidão atravessa a rua me lembrando de ter coragem. Um coração rasgado me salta lembrando que estou viva e que os pássaros cantam, apesar de e porque.
                Respiro pela primeira vez, nasço de novo e escrevo em algum lugar escondido que te amo, e a mim, e que seremos felizes.

                Em algum lugar escondido.

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