sem acesso
Eu tiraria
uma foto de você assim, debaixo dessa chuva, lendo esse cartaz.
Eu te
amaria se a chuva parasse, talvez, porque eu te amei antes da chuva, talvez
antes do nascimento mesmo do mundo. É que pra você tudo é relativo, as coisas
são tão sensatas como um gole de café com biscoito porque se combinam os gostos
mas o café também você poderia tomar com sopa, doce ou vodka, porque você é
torto e teus gostos tão estranhos como eu.
Eu sempre
tentava ser, torta. Mas eu sou estrita. Eu caço leis e regulamentos, embora me
vista de poeta, embora me sonhe vendendo livretos por um real e cinquenta
centavos na frente do Teatro Municipal sei que nunca estarei lá porque alguém
vai me perguntar as horas. Ou vou ter medo do guarda. Você é quem viaja sem um
tostão no bolso pra um outro país só porque você sim é um poeta, que venderia
livretos em frente ao Teatro se você realmente quisesse, mas você prefere
escolher modas de viola no seu quarto, e olhar as estrelas sem mais motivos.
E eu sei
que você tem medos infinitos, mas então eu achava que não, apenas porque você
se esconde tão melhor do que eu, eu que me abismo.
Quando te
conheci foi que eu tinha adquirido coragens infinitas, que acabaram antes do
fim do inverno. Prometemos nos casar, por causa de um cantor, mas esse cantor
se suicidou. Talvez tudo estava destinado ao fracasso.
Você diz
que não que você não acredita em fracasso. Pra você a vida não tem defeitos,
existe o céu existe uma tal nota no violão ou um gole de cachaça uma loucura de
amor qualquer, qualquer amor desses que você despreza como se não se
embebedasse jamais. Pra você a vida é perfeita e você pretende morrer com um
tiro na cabeça depois, apenas depois, de terminar seu romance original. Mais original
do que seu olhar dando tiros no espaço, nas árvores frutíferas, nas garrafas
dispostas assimetricamente pelo chão pela janela pelo quarto como um acesso
súbito de raivas.
Pra mim a
vida é imperfeita, mas é assim mesmo que eu a desejei, com tiros esparsos na
cabeça, ao longo dos dias, e bombas de efeito moral, efeito imoral ou janelas
abertas despencando sobre meu olhar furioso.
E eu ... eu
desejei de você acessos súbitos de raivas porque tudo o que tenho me sufoca e
eu preciso respirar, apenas, e tudo o que resta em mim são essas constrangedoras
pequenas explosões que não controlo e que você acalma segurando no colo.
Eu outro
dia perdi o medo e acendi um isqueiro. Mas minha coragem é como um nervo
exposto dolorido e frio. E você, eu não entendo você mas poderia fotografá-lo, absorto,
fingindo ou mantendo a paz?, debaixo da chuva, lendo um cartaz.
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