ideias vagas de uma ressurreição
Quando
chove ou esfria, eu desenho estes anjos sem asas ou cometas nas janelas enfumaçadas,
e eu mesma fecho minhas asas, meus olhos, propositalmente e sem sono nem
cansaço, ancorada no som extremo do anoitecer e das minhas veias, fico sentindo,
para perceber a vida.
Eu mesma
sem sons, porque apaguei a luz, desliguei os aparelhos, sequei os olhos,
ignorei os pedidos de ajuda – os meus, os deles – e fingi que não havia mais
solução nem soluço nem sombras nem sombras de dúvidas.
Eu sem
dúvidas, integralmente certa sempre, caí de repente – eu já não acredito, não acredito no
âncora do jornal, nem no melhor amigo, no horário do Big Ben, não muito menos
este que nunca vi. Acerto meu relógio com o da praça central que está errado
pelo simples descuido de concordar sem convicção.
Perdi minhas
convicções e isso foi progressivo desde papai noel, coelhinho da páscoa, seus
ajudantes, meu pai, que antes escondia os presentes. Nada mais está escondido,
eu não acredito em ninguém com mais de 30 anos e isso inclui eu mesma, minhas ilusões,
minhas mentiras, que com o tempo, fui percebendo, eu já sabia. Fé não tenho mas
acredito no espelho e na empresa brasileira de correios e telégrafos, que até
hoje não extraviou nenhuma correspondência minha.
Eu, sim, várias, e deixei de corresponder a minhas próprias certezas falidas e então assopro
uma pequena ferida à toa pra dizer que sinto muito, e que quando casar sara mas dói mais quando esfria.
Mas não me casarei e com sorte viverei no norte, tenho paisagens mas não tenho
amores e meu corpo recebe espaços desabitados onde meus pensamentos ressoam até se perder na esquina entre um osso e um músculo, um dente dolorido e o vermelho
do lábio magoado de um batom ressuscitado brevemente pra morrer debaixo de um guardanapo.
Sou eu tropeçando nestes espaços sem
som, enquanto sem luz escrevo nas rugas finas ideias vagas do que fazer no
verão, do que fazer quando eu ressuscitar, ainda que brevemente, escrevendo algum
verso sem sentido mas surpreendente na borda de um guardanapo.
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