Historia inventada de um possível vendedor de sandálias
A tarde tinha mosquitos pequenos,
poeiras e amarelos. Tinha vozes dos vendedores de feira, amassados nos chãos, e
murchos sorrisos pelas janelas.
Eu tinha esses pares de sandálias pra
vender na cidade. Olhava as carrocinhas de abacaxis. As banquinhas de músicas
pirateadas. Brinquedos de plásticos de cores azuis e rosadas.
Olhos prateados vinham ver e averiguar
preços, cheiros e consistências. Eu ia sentado na frente de uma porta que
não tinha dentros, nela já crescia pó, teias de aranha e matos. As moças iam
passando sorrindo namorando as sandálias, minhas simplezas.
A tarde ia como todos os dias.
Aí foi que eu vi perto ela, assim logo
ali debruçada. No vestido vinte e três flores brancas que eu contei, ordem
certa e trás pra diante.
Porque só dela inteira esteve minha
paisagem – casa amarela por fundo e céu por tapume. Enquanto o dia cor de
laranja ia mastigando seus rumos.
Eu, com o pensamento por cima de
estrelas. Ela enxaguava roupas, os braços até os cotovelos – águas. E cantava
como que só passarinhos.
Eu queria deixar um bilhete escrito que
assim juntando os sons ela fizesse um brinco – que eu ia dizer-lhe coisas no pé
do ouvido. Queria pôr assim um versinho, como os que a professora tentava
ensinar quando eu era menino.
Mas não tenho composição pra palavras.
Calculei suas medidas assim observando
o arrastar dos pés pequeninos levando suas cores do tanque ao varal a pendurar
roupas de meninos. Escolhi desenhos, e amarrações. Pisadas.
E antes de pegar de volta banca,
maletas, rodoviária, deixei-lhe por cima do muro um par de sandálias, que jamais
fizera pra pé algum que tivesse escolhido.
Nelas dispus, a modo de rima, uma
margarida.
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