enganos
Ela é
manhãzinha ainda estrelada. Vejo-a porque meus olhos fechados já não sabem o
que imaginar sem ela. Sinto ainda sua pele em mim tatuada mas com o peso de
minhas idades a pele envelhecida diz “tenho pressa”. O lençol o piso o livro
eles gritam “onde?” Eu amorteço para não ouvir as lembranças. Eu a conheci no
outono. Era frio. Seus lábios espantavam névoas de onde eu dispensara
esperanças. Eu acreditei e pretendi planos. Ela deixou brotar botões. Ela me
despiu de cruezas. Ela cuspiu atrocidades. Ela fugiu não de mim, mas dela. Eu
ajuntei os dramas, as palavras dispersas e então me fiz um colar de memórias
que mudam de cor conforme a luz do dia. Ora ela está rosa como flor despetalada
murcha e morta. Ora da cor de seu olho azul. Ora é apenas a cor do meu céu
nublado sem sinal de sol ou salvação. Ela bateu a porta e eu a encaro
solenemente e sem fim apostando que ela volta, depois de engolir umas propostas
de enganos. Porque é preciso enganar-se para forjar planos. É preciso
enganar-se para existir.
Eu a
conheci no outono. Ela despetalada, de cor azul. Eu entendi tudo possível.
Agora, é
preciso mentir.
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