Desmanual dos esquecimentos

Atravessar. Até que se passe ao outro lado completamente. E nada de si fique deste lado, nem ocorra de voltar-se para buscar, oh, aquele pequeno lírio ou algo sem sentido se estiver fora do contexto. Um pedaço de papel.
Atraversar. Escrever versos nas paredes e até que se acabem as paredes, e nos muros até que você seja abordado por um guarda. E seguir escrevendo versos no seu próprio braço porque ele está vazio.
Atrasar. Deixar todo compromisso esperar como você espera a chuva para dormir. Atrasar todo o tempo do mundo, porque o mundo não deveria estar girando e funcionando e as lojas de secos e molhados e as casas bancárias e as grandes convenções mundiais sobre ecologia ou a banca de jornais, muito menos a banca de jornais que datam, que pregam nos meus olhos – fatigados – a contagem de tempo dessa história.
Atravessar até que não haja dúvidas. Atravessar como os crentes dos Andes ou os fiéis do sertão que pisam em brasas quentes e não sentem dor – ou fingem que não a sentem - para provar que não têm pecados.
Mas e eu? Que sinto dor e sou pecadora, tão pecadora, e tão por dentro tenho meus próprios atravessamentos em brasas tão quentes?

Comentários

Postagens mais visitadas