poema de tarde

só sei escrever quando estou triste. o que não é um problema, condição que me permite um saldo de cerca de trezentos dias no ano aptos a alguma composição. mas sendo que minha pouca técnica, habilidade e poesia internas reduzem essas possibilidades a menos de cinco por cento, produzo pouco. não sou fábrica, apenas contabilizo dias, nos dedos e papéis, quando tudo dói. 
nasci assim, só sei dizer que tudo que me sai escrito é sangrado. feito  tatuagem que se faça pelo contrário.
sinto que minhas paredes internas estão cheias de escritas ancestrais. riscos. e me visto do avesso tentando contar-lhes uma história.
mas não tenho melodia nas letras. escrevo frases não componho canções. e talvez isso, mais o medo de cair de bicicleta, completem, em mim, minhas mais dolorosas frustrações. 
sei tocar três músicas no violão, pulando os acordes menos práticos. mas no fundo desejava realizar uma canção de amor falando de alguém que, nunca tendo amado ou sido amado, em voz ativa, passiva, ou em nenhum tipo de sintaxe, só saiba escrever poemas assim: estirados como veranistas em suas cadeiras espiando o sol. sem ruído, sem notas. sem assaltos.
hoje, no entanto, estou feliz a ponto de me deixar aqui parada sem respeitar o mínimo de perturbações.
o vento desmanchando meu despenteado – que talvez se acerte. o céu liso liso liso feito uma parede de azulejos parando o tempo.
e eu faria um poema de amor agora se estivesse triste, mas calma. espera  esse pouquinho.

o sol... 
o céu... 
imaginar coisas que tenham suas mãos.... 
                             crer-me in-vi-sí-vel......


essas manchas vão, vespertinas, desmanchando meu peito que, talvez, se acerte.

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