Santiago carrega nuvens

           
    Santiago tocava sinos numa cidade – zinha, zinha, zinha – onde todo mundo se comunicava pelas janelas. Pelos cotovelos, becos. Pelos sinos. Pelo sim, pelo não, pelas bocas.
   Pelas ruas da cidadezinha dia noite - noite dia Santiago carregava nuvens. De sua pequena casa arrumadinha depois da última placa de boa viagem, Santiago saia, levando na mão suas 2 ou três massas alvas no colorir do todo dia. Escolhia a paisagem conforme as horas do dia - nuvens esfiapadinhas para aquelas horas de preguiça - sono leve – colchão – ventilador – nuvens sábados  a tarde. Ou as grossas e pesadas nuvens de chuva – solidão .. volta para casa .. crianças .. poças espatifadas – trânsito caótico.. janela desenhada. Havia as nuvens carneirinhos. As nuvens adivinhação. Ou as nuvens de céu parado. Brancas, cálidas, mormaço – o mundo acabando em tardes espessas de fumaça nos olhos.
   Santiago dava bom dia, tocava seu sino, recebia fim de mês. Ia no bar dava uns goles, um pro santo em primeiro lugar. Rezava antes de dormir. E esperava. Alguns sonhos enquanto ia, carregado de nuvens.
   Com o tempo Santiago foi vendo o mundo passando, os sonhos rareando, o santo não vinha mais. As nuvens, algumas foram ficando pesadas. Umas se fundiam às outras, enquanto balançavam acima de sua cabeça. Emaranhavam-se os fios. Santiago ia, calças curtas tropeçando os chinelos, atrapalhando os pensamentos levantando suas bandeiras macias.
   Com o tempo não dava mais bom dia. Não rezava mais. Bebia a mais e esquecia o sino. Esquecia o gole do santo. Enfiava o sorriso no bolso da camisa quando ele queria vir sem motivo.
  Deitava sozinho em casa, fechava as cortinas, lá ficavam só aquelas nuvens flutuando pra fora da janela. Grossas, cinza, matronas esperando a hora do chá. De chover. De chorar.
  Santiago chorava baixinho. As pessoas foram esquecendo Santiago, mesmo porque ele morava bem depois, depois da última placa de boa viagem. A cidade acordava dormia, puseram outro pra tocar o sino. A cidade ia falando pelas janelas, pelos risos, e pelos fundos da casa Santiago se escondia dentro da chuva.
   Um dia Santiago carregando nuvens foi pra rua. Sentou, contando as moedas pra comprar um doce. Dava. Ele andava fazendo uns bicos, pintando estrelas numa parede aqui, tingindo de céu escuro outro telhado lá. Passou um conhecido que lhe quis apertar a mão. Ele acenou com a cabeça. Outro que veio de abraços, tapinhas nas costas. Santiago gostou  - tempos em companhia das nuvens e saudade dos ventos.
  O doce numa das mãos, a cordinha das nuvens na outra, balançando cataventosas as nuvens pesadas grossas cinza. Nuvens, cúmulos.
 E foi aí que, no sol duma manhã, o céu azul dum azul sem manchas, Santiago foi levemente destrançando os dedos, deslizando as unhas em sua palma, liberando os cordões finos, que escorregaram pra fora dele tomando o ar, subindo-subindo, rabiscando dentro do fundo azul aqueles tufos de algodão.
   Santiago parado no meio da praça, sorrindo, quase voa. Sinos e sinos tocam. A vida é bela feito aquele doce meio mordido. Feito o céu. O céu e suas nuvens.

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