depois de um mês


sobreviver porque chove. chove silenciosamente. não há nesta terra vento. eu ouço o mesmo disco há anos, porque tenho medo de outros sons. tenho medo eterno de abrir a porta e ver que é dia. e que retiraram na surdina as bandeirinhas da festa. já não há mais foguetes, não há mais pequenos brilhozinhos chegando à minha janela como passarinhos feitos de som. já não há mais em mim poemas, eu escondo no bolso de uma camisa um rascunho de discurso para quando você quiser me ouvir.
sobreviver porque cresço. cresço e já não caibo mais no corpo de antes e não tenho onde deixá-lo. não tenho mais a pele de antes e nenhuma outra nova. nenhuma boa nova. nenhuma nuvem.
sobreviver porque sonho pouquinho. não da imensidão de antes, não do sorriso grande. acho que ele mudou porque o céu mudou, porque o som mudou. mas da imensidão de agora, como chuva que chove silenciosamente. sem vento sibilante. com alguma canção indignada para dormir, alguma oração pagã para uma manhã. vã.
sobreviver porque ainda esboço reações e choro quando quero dizer.
escondo no bolso da camisa um verso para quando existir.

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