stela



há muitos anos não fazia verão. as nuvens escondendo todas as estrelas por trás de seus cúmulos e noites sem lua. desconfiava de fins do mundo todas as tardes em que o crepúsculo é rosado. mas o rosa, apenas, perece. nós todos... seguimos.
quando fez verão, a última vez, eu deitava meu rosto sobre seu peito. e então de ouvido colado pressentia movimentos como os índios apache.
- está rápido demais.
você me dizia com a convicção dos xamãs.
- vou morrer disso.
era um coração assim aos saltos, aos pulos, feito corcel sem domador. às vezes corria às vezes dava uns sustos assim de parar.
- você morreu?
em mim, não sei. de verdade, de verdade verdadeira quem morreu do coração fui eu. quando você levou embora as luzinhas dos vaga-lumes, das estrelas, dos seus olhinhos oblíquos, das velas das preces últimas, que não consertaram nada, nada. 
eu morri escangalhada feito boneca de que não se gosta mais porque se ganhou outra mais faceira.
e desde então eu não vi mais estrelas. porque seus olhos iam longe, olhando outras coisas, essas paisagens que distraem, que vagueiam, que vagueiam por nós mesmo que a gente as caminhe sem ver.
mas hoje saí para chutar umas pedras, andar pela cidade como uma visitante. havia barulho. um grupo escolar que fazia passeata por seus sessenta..setenta..anos de fundação. 
um grupo escolar, nessa história em que antes tinha eu e você e as estrelas que, faz anos, escondidas por trás das nuvens.
passada a passeata dos escolares, purpurinas, serpentinas, frases de celebração, fanfarra, balizas e suas piruetas, só eu, chutando minhas pedras. no chão, os restos dos festejos.
esbarrei com uma senhorinha que vinha, cabelos brancos ajeitados num coque como as senhorinhas dignas e perfumadas de lavanda que eu quero ser quando crescer. e ela parou, me chamando a atenção, como se fosse frase que eu compreendesse.
- estrelas no chão.
então olhei a ponta dos meus pés, do jeito de se fazer quando se busca explicação no único algo que liga a gente à terra. e eu vi. de múltiplas cores de papel laminado.
estavam lá, todas elas espalhadas pelo chão. as estrelas.
sorri. virei para trás para acenar mas não havia mais senhorinha. havia só eu e meus olhos de brilhozinho crescendo, crescendo, crescendo...

talvez, quem sabe, parindo estrelas?

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