dos fins


a última noite das coisas. de cada uma das coisas. a última noite prevista ou imprevista. a última vez de um certo recorte de janela. o último sorriso trocado antes de uma tempestade que venta e leva tudo para longe demais. a última vez de ver aquela determinada curva. olhando pra trás.

estou sempre em estado de despedidas. sofro delas.

também começo sempre outros quase fins, sempre quase fins – não permaneço. perco pessoas e coisas e já me habituei embora chaves eu jamais perca, nem papeis, nem datas no calendário. eu às vezes adio decisões para que eu fique mais

Tempo.

adio a última noite das coisas.

pressinto nesse último certo recorte de janela que em breve direi algumas vezes adeus e preciso ir me despedir. isso dói. porque antes, antes eu não tinha uma janela e era mais difícil saber que havia gente e noite depois da parede.

eu também sei construir paredes.
eu também sei derrubar paredes.

como quase todos nós. mas eu picho as paredes, como faço agora deixando este bilhete.

meus olhos. estão cheios de lágrimas. e no entanto, que vitória ter estes encantos.

a noite está calma. não chove. há música pouca vinda de quase lugar algum. é como se só eu ouvisse muito perto já barulhos de carros e passarinhos como se eu voltasse de um mundo longínquo em que eu só ouvia como num túnel o som do meu coração apertado.

eu sei que há você ainda e todos nós depois desta noite. outro recorte de janela. e em breve, outro céu, e eu entortando estas visões tolas do mundo.

viver agigantando ocasiões para que nada se perca. me desmancho.
é tão sonora e profunda a última noite de cada coisa. saber que não há volta. e que eu, só permaneço

em estado de urgência e espanto.

Comentários

Postagens mais visitadas