janelas

gosto das janelas abertas e portas fechadas. assim posso observar o mundo sem entrar nem deixar-me ser entrada. não o convido. deixo-o a esperar na porta enquanto afasto a cortina para ver o que ele deseja.

gosto em especial das janelas das casas dos outros prédios de andares, das janelas que se tornam repetidas e eu gosto de achar nelas suas coisas próprias.

as cores das cortinas e das paredes das varandas e as flores-ou não penduradas, um pequeno móvel cadeirinhas-nada.

imaginar as pessoas dentro das janelas porque as pessoas não se repetem.

*

portas protegem no entanto.

posso ver pela janela o que se passa fora e aprender com tudo e ver o céu mudando de azul e prever a chuva e amanhecer com o dia.

mas por dentro da porta eu protejo meus exércitos de paz.

uma calma por dentro ainda que eu esteja no chão a chorar silenciosamente ou a exprimir em minha testa franzida os mais profundos pensamentos de vida e morte.

por dentro da porta algo no mundo é meu.

*

aqui em nossa casa faz escuro sempre. a disposição das casas pequenas ao lado de um grande prédio. nossa pequena e incompreensível travessa. aqui moramos internos e buscamos ar às vezes antes de voltarmos ao nosso teto. nos juntamos solidariamente aos outros bêbados da praça sem que nos vejam sem que nos sintam, eles e nós vivendo em mundos os mesmos e tão distantes. parece que no mundo só existimos nós discutindo soluções para tudo e para que eu pare de chorar em algumas noites em que estou afogada. o resto do mundo é tudo que aprendemos.

como de resto dar-nos a ele?

*

nossa casa são essas coisas temporárias de esbarrar em meio a um cômodo e nos abraçarmos porque ainda é sempre. ainda é possível.

tarefas são deixadas para depois como se tivéssemos ainda muito tempo.

ando afeita a pequenos fragmentos fora de lugar.

conversamos enquanto não caem tempestades, em mim, nuvem-cúmulo.

você me pergunta mansamente se eu realmente não estou com fome. eu na verdade estou e tenho densamente uma fome que me paralisa apenas porque não sei por onde penetrar

o mundo.

minhas portas estão fechadas. mas de par em par esperam abertas todas as minhas janelas.