salva


eu tava viva quando me puseram assim sob um copo emboracado a fim de me tirar o ar eu fui, ficando um bichinho retorcido quase sem horizonte achando que tudo tava perdido mas eu tava viva quando me jogaram do alto dum prédio e eu vim, caindo percebendo num susto que eu tava viva e sonhando mas, lá embaixo, todos esperavam para medir meu pulso e eu tava viva quando dei entrada na emergência com o coração em pedaços eu tava o tempo todo viva eu tava todo o tempo sã e quase sempre salva

eu tava viva como o peixinho laranja que salvei temporariamente do suicídio aparando-o do chão com uma colher ele tava vivo e às vezes alguém também me alcança com uma colher me canta uma canção me faz rir ou destrava o gatilho então eu sei que to viva e salva temporariamente de novo solta do copo emborcado desejando do alto do prédio as ruas iluminadas porque eu inda to viva vivinha e só uma cachaça ou um pixo, sagaz e súbito, num muro, me salvaria.

(11/12/23, num ônibus de volta pra casa)

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